Algo misterioso ronda o auto-intitulado messias brasileiro, Inri Cristo. Ele diz ter vindo prolongar o legado de Jesus Cristo. Desperta a fúria dos Cristãos e o riso dos “irreverentes”. Para compreender esse mistério, resolvi fazer uma visita ao Inri.
Inri mora fora do perímetro do Distrito Federal, há menos de uma hora do plano piloto, próximo ao Gama, em um local chamado Soust. Para visita-lo é preciso agendar um horário com suas “sacerdotizas” ou discípulas, como preferir. A disponibilidade de visita é principalmente aos domingos, quando Inri faz um pronunciamento em seu altar. Meu objetivo é entrevista-lo com uma pergunta “O que é o paraíso para você?”, não consegui a minha entrevista no dia por conta da agenda lotada auto proclamado primogênito de Deus. Remarcamos para outro dia. O que consegui foi presenciar e conhecer melhor um senhor idoso simpático e bem humorado, simples e humano, de idéias mais lúcidas do que eu esperava, mas paradoxalmente portador de um severo complexo de messias.
“O complexo de messias é muito comum na adolescência: o jovem desperta um pouco a intelectualidade discursiva, acha que o mundo está errado e cisma que pode consertá-lo. Muitos pastores veementes se acham investidos de missão divina, quando, na verdade, estão apenas acometidos psicologicamente pelo delírio do complexo de messias. Não obstante essa constatação, acreditam estar em seu poder a autoridade para mudar ou salvar o mundo. O tempo passa, o cabelo “branqueia”, a pessoa olha para trás e descobre que era apenas um cidadão chamado “João” e mais nada. Isso se não ficar louco de rasgar dinheiro. Napoleão Bonaparte, prisioneiro numa ilha, teve raciocínios desse tipo”. — Complexo de Messias e Sociologia”, Marco Aurélio Rodrigues Dias
O “João” de que tratamos se chama Iuri Thais, nascido em 22 de março de 1948. Adotado por uma família, viveu com eles até os 13 anos, até que passou a obedecer uma voz que habitava sua cabeça e lhe ordenava coisas (“a voz sempre esteve lá”, ele afirma). A partir desse momento, Iuri negava-se a obedecer qualquer voz que não fosse a voz que falava diretamente de sua mente (segundo ele a voz do “Pai, todo poderoso”). Saiu de casa e viveu em diversos lares, trabalhou em diversas funções. A partir de 1971 a família adotiva passou a matar a saudade pela TV. Em 1981 fez uma aparição na rede Globo, no programa “Fantástico” já com seu novo nome, reconhecido no cartório: “Inri Cristo”. A partir daí causou grande tumultuo, nacional e internacionalmente, foi preso mais de 20 vezes, sofreu atentados, perseguições e chacotas.
Seguindo pela estrada, eu e meus amigosencontramos o SOUST, a casa de Inri Cristo. Fomos atendidos por suas discípulas, eram compreensivas e bonitas. Confesso que pequei em tentar imaginar como seria o corpo por baixo das túnicas azuis. A de cabelo loiro usava calcinha.
Assinoê e Adeí são os nomes das discípulas que nos venderam um pacote com livros de autoria de Inri. O Kit Inri incluiu um livro e três anexos e custou vinte reais.
Entramos atrasados para o primeiro encontro. O dia estava bonito, uma chuva com sol caia bem fraquinha. O quintal de Inri é verdejante, tem piscina, árvores frutíferas e é cercado por um muro de concreto de mais de dois metros de altura. O lugar onde Inri faz suas pregações não é exatamente uma igreja, mas uma espécie de altar, simples, sem paredes. Há apenas algumas cadeiras de plástico para os sacerdotes, para os discípulos iniciados e para os visitantes. Nada gravemente suntuoso ou ostentoso.
Uma grande cortina vermelha cobria a plataforma por onde Inri deveria entrar. As cortinas finalmente se abriram e Inri estava sentado em um trono de madeira pintado de branco com almofadas vermelhas. O trono é todo esculpido com formas de planetas e estrelas. Há uma pirâmide com um olho no centro esculpida na cabeceira do trono. Na maçonaria este símbolo é o “Olho da providência”, ou também “O olho que tudo vê”. Acima da pirâmide a inscrição tem uma frase esculpida: “O rei dos reis”. Inri deve ter quase dois metros de altura e torna-se uma figura imponente sobre a plataforma de quase 40 centímetros de altura. Quando ele se levanta, fica “grandioso” em seu trono elevado.
Ele veste-se com uma túnica. Eu e meus amigos classificamos a túnica como “cafona”. Concluímos, ao conversar, que Inri é tão ridicularizado porque usa roupas de outra época, e perde a credibilidade ao dizer que é o próprio Jesus Cristo. Mas se não pensasse assim, não seria o Inri. Seria um velho de calça Jeans com algumas boas idéias e sem nenhum seguidor.
A túnica era moda nos tempos de Cristo, do qual Inri acredita-se reencarnado. E então ele começou a falar, o timbre e o sotaque da voz de Inri alternavam entre o grave, imponente e internacional (talvez um sotaque alemão?), quando se dirigia aos visitantes, e então mudava para agudo extremamente brasileiro e casual, quando dirigia-se com intimidade aos seus discípulos.
O ponto curioso de nossa visita foi a coincidência cósmica que ocorreu enquanto Inri começava a proferir as primeiras palavras. O tempo, até então ensolarado, com chuva fraca, transformou-se rapidamente. As nuvens fecharam o céu e a chuva engrossou. O aguaceiro começou a jorrar ao ponto de gotejar nas nossas costas. A chuva nos atingiu. Ficamos calados por alguns instantes, querendo racionalizar o motivo da chuva repentina. Como se fossem fatos conectados, a imponência do discurso e a força do céu. Mas até Inri mostrou-se surpreso com a chuva: “A natureza é soberana. Isso nunca aconteceu antes. Nunca tivemos que tirar as cadeiras da chuva por conta de um vento e água tão fortes”. E com essa pequena colocação a figura de Inri tornou-se diminuta e tão humana quanto a de todos nós. O evento da chuva a princípio parecia uma mensagem divina, fortemente ligada ao pronunciamento de Inri. O espanto de Inri nos mostrou que a chuva, acontecendo e crescendo no momento de seu discurso foi penas mais um dos espetáculos aleatórios da natureza. Se Inri não tivesse esboçado nenhuma reação diante da tempestade durante seu pronunciamento, nós, visitantes, seriamos tomados por um pavor e crença como ocorreu naquela antiga história:
“Certa vez um grupo de bandeirantes adentrando as matas semi-virgens brasileiras foi capturado por Índios armados. Eram provavelmente descendentes das civilizações pré-colombianas, andavam nús e seus corpos pintados de tinta vermelha Os olhos negros pareciam jabuticabas, frutas comuns. Os bandeirantes temiam o pior, mas uma coincidência cósmica foi providencial para a salvação. Eles foram amarrados na aldeia e postos para sacrifício. No momento em que seriam degolados a lua cobriu o céu e causou um eclipse solar completo. O céu escureceu e os Índios acreditaram que os homens brancos eram emissários divinos.Temendo que era deles o poder de apagar o sol, não só pouparam a vida dos bandeirantes como elevaram-nos e os adoraram com o status de Deuses da pele branca. E assim os bandeirantes sobreviveram, pelo milagre da coincidência”.
A mesma história, foi utilizada, com diferentes contornos e personagens, no filme Apocalipto, de Mel Gibson.
Inri poderia usar a chuva para intensificar o efeito dramático.
Perdi qualquer preconceito contra Inri e qualquer impacto suspenso. Passei a vê-lo como uma figura simpática, carismática, dedicada, possivelmente bem intencionada, bem humorada, mas acima de tudo, humanizada. Senti até um pouco de pena de Inri Cristo, pois percebi que ele não deveria levar uma vida fácil. Ele realmente não tem escolha. Acredita do mais profundo de seu coração que é o Messias, e portanto, o que fazer, senão agir como um messias? Chegou ao ponto de atrair para si seguidores. Seus seguidores são pessoas que poderiam levar vidas normais, estudando, trabalhando, namorando, casando, tendo filhos, mas por algum motivo dedicam-se exclusivamente a ele, porque acreditam nele.
Há um episódio, narrado no livro de Inri, intitulado “O massacre em Ponta Grossa”. O episódio conta a história de 3 homens que emboscaram Inri e o espancaram, pisotearam, deram coronhadas e tentaram afogá-lo na piscina do hotel. Na voz de Inri, mesmo um momento tão trágico torna-se risível, por conta de sua obsessão pela pompa. Inri relata que quando os discípulos tentaram protege-lo dos algozes, também foram espancados. Um dos homens maus disse, com muito requinte: “Tu ainda queres proteger teus servos! Pois morra! Tu tens que morrer!”, e Inri unicamente respondia: “Eu tenho que cumprir minha missão”. Vale lembrar que o texto foi escrito por Inri. E prossegue: Após TRÊS HORAS de massacre, estavam todos exaustos. Eu disse três horas! Agora veja a descrição que sucede este momento:
“…Ao perceber que havia uma força superior que mantinha Inri Cristo vivo, mesmo em seu corpo estando coberto de escoriações do látego, sua face desfigurada, inchada pelas pancadas, pelo açoite, e em sua cabeça começando a transparecer as salientes bolas de sangue coagulado”.
Só há um pensamento possível: “Veja com que classe este homem sabe levar uma surra!”
Inri Cristo pode ser um senhor acometido de uma idéia excêntrica e delirante, mas apesar disso, você enxergará nele percepção prodigiosa, pensamentos lúcidos e grande loquacidade. Quando eu estudava jornalismo, um colega de classe resolveu fazer uma matéria sobre ele. Foi totalmente incrédulo e voltou assustado e enraivecido. Esse colega admitiu quase ter caído na lábia do Inri, quase “se converteu” a sua palavra, por causa de uma simples visita. Quando eu e meus amigos íamos de carro, a caminho da casa de Inri, brincamos: “Quero avisar que pode ser que alguns de nós não voltem mais para casa. Alguns podem querer ficar lá. Vocês estão prontos para essa visita?”. E rimos alto, tirando sarro do Inri, mas no fundo, tinhamos receio sincero quanto a não querer mais voltar para casa depois de conhecer o pretenso “Filho do pai”.
Amém.