Qual é a relação entre o músico Peter Gabriel e a poetisa Anne Sexton?
Conheça a história por trás da música "Mercy Street" (Rua da misericórdia) e entenda o sopro de inspiração que levou Peter Gabriel a dedicar esta música à vida da poetisa.
Conheça a história por trás da música "Mercy Street" (Rua da misericórdia) e entenda o sopro de inspiração que levou Peter Gabriel a dedicar esta música à vida da poetisa.
Peter Gabriel é um artista peculiar. Nascido no Reino Unido em 1950 fez sucesso com o grupo de Rock Progessivo “Genesis” e posteriormente , em carreira solo, lançou músicas distintas, estranhas, diferentes, e geralmente acompanhadas de clipes inovadores. Alguns dos clipes das músicas do Peter Gabriel estão entre as pérolas da animação em video clipe dos anos 80.
A melhor música de Peter Gabriel, na minha opinião, se chama Mercy Street. Quando eu descobri a música fui capaz de escuta-la zilhões de vezes, apenas pela atmosfera calmante e intrigante criada pela combinação de sons perfeitamente alinhados, sem contar com o famoso triângulo do forró brasileiro tilintando. A musicalidade de Mercy Street já é por sí, única, envolvente, universal. A experimentação musical é uma das características mais marcantes do trabalho de Peter Gabriel, a busca por um som único está sempre presente nas gravações de seus discos, um artista raro.
A música de Peter Gabriel começa com uma dedicatória a poetiza norte-americana Anne Sexton, autora de uma peça teatral homônima. Há também um poema chamado “45 Mercy Street”, em que ela busca pelo próprio endereço, mas não consegue encontrar. No poema ela confessa estar em uma cidade sempre em busca de uma placa onde está escrito “Rua da misericórdia, 45″.
Desde criança a relação de Anne com os pais era complicada. A mãe, uma escritora frustrada mantinha um diário, e o pai era um alcoólatra. O biógrafo de Anne chegou a indicar a possibilidade de que ela tenha sido abusada sexualmente durante a infância, mas todos os familiares de Anne negam este fato. É mais aceito o fato de que o pai de Anne foi abusivo, não sexualmente, mas emocionalmente. Em uma declaração, Anne disse “Não importa quem foi meu pai; importa quem eu me lembro que ele foi”.
Anne viveu lutando contra a solidão e a depressão. Os poemas revelam muito sobre as tendências suicidas de Anne e falam sobre temas diversos, mas voltados principalmente para o mundo feminino: lesbianismo, masturbação, adultério e erotismo. Aos 20 anos ela tentou se suicidar, frequentou um psicólogo com quem teve um caso extraconjugal. Teve filhos e sofreu de depressão pós-parto, acumulado a isso, o marido costumava viajar com frequência e Anne nunca foi fiel. Ela chegou a um estágio de depressão em que os terapeutas a aconselharam a escrever. A poesia aos poucos se tornou o centro de sua vida.
Em março de 1959 a mãe de Anne morreu com câncer no seio. Apenas três meses depois morreu também o pai de Anne com uma doença no cérebro. Ela perdeu os pais abruptamente e perdeu também qualquer chance de reconciliação das difíceis relações que ela teve com os pais desde cedo, isso a conduziu a mais depressão.Em um de seus poemas Anne conta sobre estar limpando a casa dos pais falecidos e olhando o album de família, muito da música fala sobre Anne tentando reencontrar seu passado e a casa de sua infância, sem sucesso.
O casamento se tornou instável e problemático conforme o marido percebia que ela rumava para a fama, é dito que o marido tentou violenta-la quando ela já se tornava uma celebridade no mundo das letras. Quando ela finalmente pediu divórcio, após publicar poemas com tendências feministas, o estado de saúde piorou, e Anne recorreu ao alcóol. Sentiu-se sozinha, depressiva e no dia 4 de outubro de 1964 ela se suicidou asfixiada com monóxido de carbono na garagem de casa.
Mas os suicidas tem umas linguagem especial – Dizia Anne no poema “Wanting to die” – como os carpinteiros, eles estão sempre procurando saber quais são as ferramentas. Eles nunca perguntam o por que de construir.
Provavelmente, quando Anne se viu sozinha, ainda em busca da placa “Mercy Street” (ou da infância perdida, ou de rendição), resolveu partir. Um fã dos poemas de Anne Sexton, disse, em uma resenha, que sem o suicídio da autora, o trabalho dela pareceria fraudulento; É quase como se ela tivesse tirado a própria vida para demonstrar que o estilo confessional não foi meramente uma representação.
Na relação entre Anne e o pai, ela sempre foi mal tratada, na adolescência o pai disse que sentia nojo dela por causa de um problema de acne, apenas para ilustrar o inferno para um adolescente ouvir algo assim do próprio pai, e ela viveu, desde a infância com o constante medo de ser abandonada. Apesar disso, Anne não guardou ódio, apesar das escaras. O amor dela pelo pai transcende o cotidiano, transcende a moral e o humanamente aceitável. Ela perdoava o pai e o amava além da vida.
As boas lembranças da infância foram um sonho impossível, desfeito. Morreu triste em uma busca pela infância perdida. A música de Peter Gabriel captura esse sentimento sem nenhum pesar, com a leveza purificadora do tempo.
A relação entre pais e filhos vai muito além de qualquer impecilho mundano. “Anne e seu pai sairam no barco, montados sobre as ondas do mar buscando por misericórdia”
Anne Sexton: