“A mão de Baden tocava por duas”, dizia Toquinho, sobre o talento incomparável de um dos maiores violonistas brasileiros, cujo ofício musical foi aprendido pelo pai, e repassado para o filho.
Baden Powell foi um dos gênios do violão brasileiro. Sua expressão é indiscutível. Retrato de “uma época cheia de amor, cheia de música, cheia de calor e tal”, como ele define, “uma lembrança formidável”. Herdou do pai o gosto para a música.
Nasceu em 1937, de parto natural feito em casa, na pequena cidade de Varre-Sai (RJ), o predestinado Baden. Baden lembra da cidade com saudosismo “meu pai me ensinou a amar Varre-Sai. Já fui lá algumas vezes e quase não saí de lá”, dizia. Baden lembra ainda que a cidade era tão pequena que tinha apenas uma rua dividida em duas partes: “a rua que sobe e a rua que desce”. Quando Baden tinha três meses mudou-se com com a família para o Rio de Janeiro.
O pai de Baden, Lilo de Aquino, também conhecido como Tic, pensou em dar ao filho o nome completo do fundador do escotismo: Robert Stephenson Smyth Baden-Powell, mas percebeu que seria muito difícil chamar atenção de um menino com um nome desse tamanho, ficou Baden Powell de Aquino mesmo. “Eu nunca fui escoteiro, e ele também nunca me forçou a ser escoteiro”, disse Baden em entrevista para o programa Ensaio na TV Cultura em 1990.
Trazendo a tona memórias do pai, Baden falava que o humor dele era ‘formidável’. “Meu pai tinha sempre um sorriso. Até diferente de mim, que sou um pouco mau humorado”. Lilo de Aquino rapidamente se enturmou no Rio de Janeiro e passou a tocar violino na banda da cidade, era um homem alegre, sempre com uma piada para contar. Lilo era vaidoso, andava muito alinhado: terno de linho branco e chapéu Panamá. Baden conta que nunca viu o pai de cara fechada. Levava o filho no ombro durante as serenatas com violino e banda pelas ruas parando de casa em casa na janela de amigos para fazer uma surpresa. Baden era novinho e começava a sentir sono quando começava a madrugada. A festa acabava em casa enquanto Baden ficava deitado no sofá só escutando.
Os músicos tocavam a noite toda à base de bolo e café quando haviam batizados, aniversários ou rodas de choro, essas, só pelo gosto de tocar. “Eu já tinha a música enraizada”, conta Baden. No período de carnaval formavam-se os blocos tocando valsas e fados antigos, derivados de Portugal. Lilo tocava e fazia os portugueses chorarem de saudades da terra natal.
Um dia, ao voltar mais cedo do trabalho, Lilo descobriu o pequeno Baden brincando com o violino. Baden guardou o violino às pressas e sem querer quebrou o arco, mas não levou bronca do pai. Pelo contrário, Lilo percebeu a vocação do filho e lhe deu de presente um violão velho, sem metade das cordas. O menino passava o dia fazendo sons horríveis.
Lilo era violinista, mas tinha algum conhecimento de violão, e passou as técnicas básicas para o filho. Rapidamente o garoto se desenvolveu. Baden era canhoto, aprendeu tocar com a mão direita e se tornou ambidestro. Lilo percebeu que já tinha passado todo o conhecimento que tinha para o filho, comprou para o garoto um instrumento melhor.
“Eu conheci o Meira numa festinha na minha casa, com seis anos de idade. Meu pai estava fazendo um baile familiar. Ele me viu querendo pegar o violão e falou para o meu pai assim: ‘Leva esse menino lá em casa, ele tem muito jeito para música. Eu vou ensinar ele’. Eu comecei a estudar com o Meira aos sete anos de idade”, conta Baden. O “Meira” a que Baden se refere, era Jayme Tomás Florence, instrumentista e compositor pernambucano de 1909. Jayme havia tocado com o grande Dilermando Reis. Jayme foi um dos grandes nomes olvidados da música popular brasileira, tira-se por ai o tamanho da instrução que Baden recebeu.
Aos dez anos, Baden estudava peças de Augustinho de Barros, um grande violonista. “O Augustinho tinha uma mão descomunal e minha mão era pequenininha. Eu dava um salto pra poder tocar as as músicas dele” conta. O Meira achava graça do jovem Baden, um garoto magrinho com a dificuldade toda para acompanhar a peça. O Meira colocava os alunos sentados em volta da mesa e os violonistas tinham que tocar tudo de ouvido, sem direito a erro, senão reclamava. “Não tinha aquele negócio como tem hoje, cifra. Era assim: Dá `dó` maior ai, você tinha que sair acompanhando e se errasse você não era bom”, dizia Baden. Um dia Meira chamou Lilo de Aquino e falou: “Não tenho mais nada para ensinar ao seu filho”. O Jovem virtuose Baden, no entanto, ainda tinha muito caminho para percorrer, essa já é outra história.
Mesmo tendo falecido em 26 de setembro de 2000, a memória de Baden Powell de Aquino permanece tão viva que é difícil referir-se a ele no passado. Em 2010, o pianista Philippe Baden Powell, filho de Baden, conta que enquanto revirava gavetas, encontrou cinquenta partituras inéditas do pai. Nove delas seguem a série dos afro-sambas lançados por Baden-pai em 1966. Influenciado pela música constante de Baden, no ambiente familiar, Philippe segue tocando profissionalmente, com a promessa de gravar algumas das peças inéditas do pai. Vão-se as mãos, o timbre reverbera.
FONTES: 
Baden em entrevista para o programa Ensaio na TV Cultura em 1990. “O violão vadio de Baden Powell”, por Dominique Dreyfus, editora 34
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