A história sobre como o escritor manauara, Diego Moraes, caiu no vazio de São Paulo, vivendo na sarjeta, fumando crack e foi salvo pela literatura
Perambula diariamente pelas ruas úmidas de Manaus um escritor ainda pouco conhecido no Brasil: Diego Moraes. Dos devaneios diários surgem contos, poemas e novas páginas para o romance em processo de criação. O que escreve, ele guarda na memória, anota em um guardanapo, leva o poema amassado dentro da carteira se for preciso. Bloqueio criativo para Diego é papo furado. Se as idéias estão escassas “você precisa sentar na beira do Rio Amazonas e tacar pedrinhas n’água até passar um navio carregado de toras”, diz Diego. Aos 31 anos já publicou 3 livros de contos e poesias e está escrevendo o primeiro romance.
Só acredito em poeta mordido com a vida
. A felicidade nunca escreveu um verso que preste. (DIEGO MORAES, A solidão é um deus bêbado dando ré num trator)
Diego caminha pela contramão. Sua literatura é suja, brutal, mas repleta de sensibilidade e lirismo. Uma combinação difícil e complexa de se obter. Não há afetação nem cheiro de limpo, não há academicismos, mas sim o resultado de uma vivência dura e percepção aguçada. Preza pelos bons diálogos, assiste com prazer os filmes da sessão da tarde, os improvisos de Cassavetes, gosta da crueza de Fante, da vulgaridade de Bukowski, a sabedoria melódica de Belchior. Frequenta o canto mais escuro do bar, de onde observa a vida passar. Inspira-se na vida, mas não necessariamente copia a vida.
“Tenho conhecidos que conversam contigo, e o cara interrompe dizendo ‘perai, vou anotar essa parada’. Depois tua fala entra em um personagem que não tem nada a ver contigo. Ai o cara vende isso como se fosse ficção. Eu vejo isso como transcrição e não escrita. É um furto da vida real. Eu trabalho esforçando a imaginação, a sensibilidade de observar algumas coisas e transformar em ficção. Prefiro abrir meu word 2007 e forçar a imaginação. Pelo menos eu gosto de pensar que invento alguma coisa”.
O lampejo da escrita começou a engatinhar na adolescência. Vivia em uma casa pequena junto com os pais em processo de separação. Eram brigas intermináveis, muita desavença. Para fugir do inferno familiar, saia de casa e subia a laje, refugiava-se nos cadernos em branco. Começou a improvisar poemas e contos, um mundo paralelo de escape. Dai a origem de um tema recorrente em seus livros: a solidão.
“Dentro do meu peito você pode cultivar a solidão o ano inteiro.”
Até que conheceu Nina, uma garota de dupla nacionalidade (Brasil/Espanha) com quem passava as tardes bebendo Dreher e amadureciam juntos o sonho de fugir para Barcelona. Foram dois anos e meio de namoro. Se casariam e ele se tornaria um lavador de pratos, vida simples e plena. “Eu não sabia de nada da vida”, diz.
Diego sabe que provavelmente a vida na Espanha não duraria muito. Os relatos de brasileiros vivendo por lá não costumam ser bons, na época tinha completado apenas até a sexta série nos estudos e largou a escola. Mas o tempo na Espanha seria suficiente para conhecer outro mundo, nem que fosse como escravo fritando batatas fritas em um restaurante, e depois voltar.
“Adeus Manaus. Estar no mesmo lugar empedra sonhos e escurece nuvens”
Nina tinha pais endinheirados, ela vendeu uma Pickup Corsa e juntaram as economias para partir. Juntos, Diego e Nina foram para São Paulo com alguma grana, suficiente para atravessar a Europa. O plano era casarem em São Paulo e partir para a Espanha em seguida. Alugaram um apê na Aclimação e passaram a primeira noite desembalando as malas e fumando maconha. No dia seguinte, nada de encontrar a certidão de nascimento de Diego. Preocupada, Nina acabou brigando com ele por ter esquecido algo tão básico. Sem a certidão não poderiam se casar, e sem casamento não conseguiriam visto dos dois para a Europa. Diego e Nina ofenderam-se bastante. Para esfriar a cabeça, Diego saiu para dar uma volta. Ele conheceu um hippie que fazia tatuagem de henna na praça república e perguntou se tinha cocaína. Só tinha crack. Foi o que ele comprou. Diego volta para casa com a pedra. Os ânimos acalmaram-se momentaneamente, mas o casal vicou-se na hora. Usaram o cachimbo da maconha para acender a pedra e fez-se a nóia. A tristeza do Diego por não poder casar com Nina e rumar para a espanha se embolou com o vício em cocaína e crack, a grana foi acabando, a relação sem sustento. Finalmente Nina expulsou Diego da casa.
“Perder a garota dos seus sonhos e não ter onde dormir aumenta as chances de você se tornar um poeta maldito em São Paulo”
Diego pegou sua mala Samsonite, recolheu as roupas sujas, os papéis amassados de seus escritos e foi embora chorando. Quando sentia fome, esboçava uns versos. “Era como mastigar um bicho invisível”, diz.
“Você é apenas mais um rapaz que escreve”, disse minha imagem refletida numa poça de lama. Isso é a coisa mais linda do mundo. Cê pode viajar: cheirar, fumar pedras, trepar com mil garotas, mas ‘Você é apenas um rapaz que escreve’ é lindo!”, contornou minha penumbra desenhada no muro. Tomei mais um gole de Dreher e desmaiei no frio de São Paulo. (DIEGO MORAES, A fotografia do meu amor dançando tango, Ed. Bartlebee) Em um dia especialmente frio e cinzento em SP, Diego conheceu Paulo, um vigia de hotel com profundas olheiras de noites perdidas, próximo a praça República. Paulo era maranhense, tinha uma irmã em Manaus e ficou de coração mole ao ver Diego com sua mala samsonite na rua batendo os dentes. O vigia gostava de ouvir as lamentações de Diego embaladas ao som da rádio gospel. Depois aproveitava para pregar um pouco da palavra de Jesus. “Foi o único amigo que fiz em São Paulo”, conta. Talvez eu seja o único cara andando a pé do centro a nova [cidade Recolhendo restos de coisas do século passado e transformando [em livros Chorando, ouvindo aquela canção do Neil Young da boca de [um mendigo.(DIEGO MORAES, A solidão é um deus bêbado dando ré num trator) Diego deve ter passado quase um ano em São Paulo, vivendo entre mendigos, tomando sopa em albergues. Andava para cima e para baixo com a mala samsonite, nunca foi roubado. Dentro da mala suas roupas encardidas e um caderno com capa azul com folhas soltas cheias de poemas, além de anotações que se transformariam em contos do seu primeiro livro. Era difícil conhecer gente, ninguém dava papo dentro dos bares. Quando podia comprava drogas ou tomava um Dreher. No restante do tempo, mal conseguia pensar, “Eu me sentia um urso congelado andando sozinho pelo frio de SP”, diz.
“Eu olhava para os viadutos de São Paulo querendo namorar um pulo. Eu flertei com o suicídio muitas vezes. Era o delírio da fome e do frio. Voltar para a casa dos pais seria uma merda, com o sonho mastigado pelas drogas. Ai eu pensava ‘Foda-se. Aguenta essa onda. Logo mais você vai publicar um livro’. Ai fui resistindo e acabei voltando para casa cheio de poesia. A literatura me salvou”, conta Diego.
As coisas amarelam quando deixo de escrever poesia
Ausência de música
Fogos mudos desenhando caminhos de ternura perto da lua Minha avó catatônica no sofá esperando deus dar jeito no mundo (DIEGO MORAES, A solidão é um deus bêbado dando ré num trator)
Cansado da miséria, da falta de dignidade, engoliu o orgulho, procurou um orelhão e ligou para casa pedindo socorro. A família o recebeu no aeroporto de Manaus de braços abertos. Não fosse pela maleta metálica samsonite que ainda carregava, a família não o reconheceria. Estava sujo, pesando 55 quilos, pele e osso. Chegou chorando, a mãe o abraçou e trouxe de volta para casa. “Passei fome, frio e desprezo, mas São Paulo enriqueceu minha literatura”, diz. De volta a Manaus, fez supletivo, cursou letras e jornalismo mas não chegou a concluir nenhum dos cursos. Nina, a ex-noiva, voltou para Manaus. Tudo o que ele soube é que ela chegou de cabeça raspada, também totalmente transformada. Ela passou a evitar a família.
O primeiro livro de Diego, Saltos Ornamentais no escuro (setembro, 2008), está esgotado. Na internet é possível adquirir seus dois livros lançados posteriormente pela editora Bartlebee; A fotografia do meu antigo amor dançando tango (junho, 2012); A solidão é um deus bêbado dando ré num trator(março, 2013). Sobre este último livro, o crítico literário, Alfredo Monte, escreveu: "Diego Moraes dialoga com a melhor literatura lírica feita em nosso país após o modernismo". O primeiro Romance de Diego deverá ser publicado entre 2014 e 2015.
É foda quando deita aquele amarelão do final da tarde e você lembra-se de um amor que não devia ter entrado num avião para são Paulo É foda quando o sinal fica amarelo e você não percebe o caminhão espatifando tudo ao contrário É foda quando a música acaba e você não tem ninguém para dizer o quanto a vida é louca e ingrata.
(DIEGO MORAES, A solidão é um deus bêbado dando ré num trator)